A vingança serve-se fria
Manuel A. Fernandes
A geografia da pequena cidade de Colorado não poderia ser mais apropriada para o baptismo desta nova selecção de esperanças. Desde o decalque sinuoso das montanhas geladas passando pelo esburacado revestimento, desenhado pelos garimpeiros do século XIX, aquele espaço físico encaixa perfeitamente no espaço figurativo da música dos Aspen. Metamorfose da “larva” Cosmic Vishnu que tanto impacto causou no famigerado youtube, parcela web de um universo onde tudo acontece e se eleva, com a amostra de três capítulos reunidos em “Colossus Mountain”. Um colosso instrumental e indesmentível concebido por, Tiago Pereira e Cristiano Veloso, dois adolescentes na casa dos 16 anos que emularam o sufoco empedernido de uma cidade – Barcelos - bastante diferente da que é hoje. A idade precoce era o estímulo da reacção à apatia, na parábola recorrente da cidade da “pasmaceira”. A vontade de fazer música era do tamanho dos Himalaias. O ponto no mapa era, em tempos, o reflexo do amor-ódio que obrigava não só à fúria terapêutica das guitarras como catalisador para a velocidade da bateria. No silêncio atordoante de uma estratégia para abalar a turba, esta semente brotou os Aspen, consolidação do molde basilar do grupo, incorporando Vítor Pereira, guitarrista convertido ao baixo.
E entretanto, a cidade mudou como uma “borboleta” em mutação que os Cosmic Vishnu geraram. Para trás ficou um culto exíguo de um masterpiece stoner psicadélico com o trono em “Iron Ships on the Silver Sea”. Surgiram os concertos sucessivos, as amostras estonteantes nas redes sociais, o culto renovado… e de repente, a neblina caiu novamente. A noite e os tambores calaram-se e os Aspen bateram em retirada. No caldeirão onde estes jovens druidas cozinhavam substâncias alucinogénicas, resultou o primeiro trabalho da banda, um e.p. de 5 temas, perfilhado “Winds of Revenge”, pela editora portuense “Lovers & Lollypops”. Os graves do baixo cerraram os dentes, a exploração sonora de envolvência post rock deu a mão à densidade doom que exorcizou este sétimo selo. Os rufos regressaram no prelúdio “Arashi”, carne para canhão para o que vem a seguir. “Autopsy Headcrush” é exactamente isso, uma fractura craniana exposta de consequências trágicas entre uns Red Sparowes e uns Suma que precede a cavalgada do tema-título que apraz dizer é simples: Matt Pike e os seus High on Fire. A firmeza, a consistência, o sludge. Um cântico de guerra espartano.”Like Crows they Drop” joga novamente com aquela ambiguidade post rock vs doom. Aço fundido pelos mestres Russian Circles e Capricorns. Quem com ferros morre com ferros mata. A marcha fúnebre que encerra o álbum é majestosa. Uma sinfonia infernal de corte à princesa das trevas, “Owing to Lilith” é a quinta faixa do “Worshipping Doom” dos Bongripper. Concubina preferida de Lúcifer e esposa de Samael, os Aspen entoam aqui o lento pesar do coito ocultista pela mitologia biblíca. A mais antiga história do planeta.
A máquina de guerra está devidamente oleada. Já Barcelos, que nem de grandes montanhas se confere, implode mais vez com este movimento tectónico, chamado Aspen. “Winds of Revenge” é um prato que se serve frio.